quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sabor



Dia 01 _ 11/09/2010
04.00 da manhã  e eis-nos chegados a Padornelo, uma pequena aldeia espanhola  junto às nossas fronteiras , bem por cima da Bragança, bem longe, longe de tudo e de todos. Rapidamente se montou acampamento, banco de jardim, chão, campo de erva, pois daí a pouco era tempo de pedalar.
E assim foi, pelas nove da matina já todos pedalávamos monte a acima (alguns, outros empurravam), até aos 1 600 mts. de altitude e em direcção ao Parque Natural de Montezinho.
A paisagem é deslumbrante, o dia lindo, descoberto, com o horizonte como limite da nossa vista. Começámos a descer, primeiro suavemente, passámos pelas nascentes do Rio Sabor, que parece ter várias, como nos explicou o taberneiro da tienda da aldeia onde pernoitámos e o declive foi aumentando até nos obrigar a apear. O Sabor começava a lançar as suas garras “Um dos Rios mais selvagem da Europa”. O que se veio a confirmar plenamente. As descidas e as subidas assumiam uma postura demasiado vertical para serem pedaláveis para nosso desespero, excepto o Miguel que insistia em não desmontar até que o mais provável aconteceu, zás trás, vai-não-vai e truz, capacete na rocha, literalmente e com a cabeça lá dentro.
Tenho um ataque de ânsia que dura 20 segundos, terminando com o praguejar característico de quem vê a vida no fio da navalha:
- F**a-se, F****daaaa-se!!! Vocifera o Miguel enquanto percorre o corpo com as mãos à procura das mazelas!
O rasto de artigos espalhados pelo chão denuncia bem a aparatosa queda. Consequências: Capacete destruído, suporte danificado irremediavelmente como se confirma à postriori, uns arranhões, o sangue a bombar a toda a velocidade. De volta ao trilho, e que trilho!!!
Aldeia de Montezinho - Primeira paragem, o Miguel precisava de fazer algumas reparações na sua bike e assim aproveitámos para a primeira refeição, pão com presunto e umas cervejas grandes.
Depois de uma banhoca na fonte local (desculpa Paulito), as fotos de costume, a partilha do vinho com um caçador local, lá partimos!
Passámos por França, perdemo-nos, encontrámos-nos e decidimos seguir alcatrão até Bragança para avançar no mapa. Voltámos a nos perder e acabámos por dormir numa aldeia chamada de Alpião, no fundo de intermináveis vales e num parque de merendas, junto ao rio, mas outro, perdidos.
Banho tomado no rio em plena comunhão com a natureza, jantar partilhado, umas cervejas grandes na associação local, cujo taberneiro só falava espanhol connosco até que lhe perguntámos:
- Ó amigo, você é espanhol ou o carago! Voltou-se à nossa língua materna, ele achava que éramos espanhóis, pagámos-lhe uma pequena e ficámos com um amigo.
Deitei-me sobre um mesa do parque, dentro do saco-cama, fitei as estrelas, procurei a estrela polar! Sentia uma sensação estranha…estava perdido!

Dia 02 _ 12/09/2010
Ainda sob o céu estrelado, primeiro uma coruja e depois uma conversa desenfreada entre corvos servem de despertador, mas insisto em dormitar até que o intestino ordena mais alto que a preguiça. A volta matinal que já é da praxe para pôr as ideias em ordem e, no regresso já o pessoal está activo a arrumar as trouxas. Partilha-se o pequeno-almoço que as provisões estão de rastos, pão com presunto e água para não embuchar.
Tudo e todos prontos, começa-se a pedalar e começa o queixume quando os rabos tocam os selins. O Único que não se queixa é o Lucas, fruto das férias grandes e das suas voltas de bicla.
Estamos de volta aos trilhos, em busca do tal, o GPS diz que está perto, muito perto, 250 mts e avançamos paralelamente ao mesmo com a intenção de o encontrarmos mais adiante. Avançamos penosamente a pé, o frio matinal é superado pelo ofegar em crescendo, as paragens servem para aliviar as camadas de roupa, resta a esperança de que do outro lado desceremos. O que mais tarde acontece mas continuamos a pé, tal a inclinação. Finalmente um trilho ciclavél e aí vamos nós montanha abaixo de encontro ao Sabor, bem lá no fundo, impávido e sereno, indiferente a sete aventureiros, tão longa e hercúlea é sua existência no recorte do sua viagem, entre o granito e o xisto.
Apesar de tudo, revejo um grande sorriso em todos.
Mas rapidamente se apercebem que é necessário sair daquele vale, e a saída é em sentido único…ascendente.
Mal alimentados e com a reservas de agua em baixo, lá vamos nós em passo de caracol, dispersando a mente nas paisagens infindáveis, quando o olhar se cruza com videiras, macieiras e ameixieiras, carregadinhas de frutos e automaticamente sente-se um clic , agora é o estômago que domina as operações .
Paragem obrigatória, que todos vão cumprindo sem protesto, em silencio até que os impulsos eléctricos de satisfação cheguem ao cérebro.
Voltamos a partir até à próxima aldeia, paramos na tasca, que só têm as belas cervejocas. Questionam-se caminhos e nasce a vontade de abandonar os trilhos, tal é a dificuldade.
Avançamos por alcatrão em busca de almoço, até que acabamos por formar dois grupos, um deseja voltar ao trilho e o outro seguir até à foz por estrada. Definimos o local de encontro e lá vamos nós, em busca do trilho perdido.
Percorremos várias aldeias, repusemos o stock alimentar em Morais, num café muito simpático e agora em sentido descendente, aproximamo-nos do rio, até um novo vale, majestoso. Entrámos no trilho para junto ao rio aí pernoitar. Novamente, nós, o rio e o céu como tecto, soberbo…
Envio uma mensagem ao Tequila para dizer que estamos bem, mas estamos sós, sem rede de telemóvel…
Olho para o lado, o Lucas já dormita, orgulhosamente, esboço-lhe um sorriso, uma imagem do Gil e da Lisá percorre-me a mente e… fecham-se as persianas…

03 _ 13/09/2010
O silêncio abunda, longe de tudo, galinholas e perdizes foram as únicas companhias, abro a pestana, olho em volta e não vejo o Miguel. Percorro a paisagem com mais atenção e encontro-o perfeitamente camuflado entre a erva, dentro do seu saco cama. Salto da pseudo-cama, pois o dia é longo e a saída é sempre a subir.
A reter, pequeno-almoço: Dois chipicaos, souberam tão bem!!!
Ma l o sol espreitava já nós empurrávamos as máquinas montes acima, 2 horas, 6 quilómetros e dois furos pelo meio… muito bom, grande andamento!
E eis-nos chegados a Castro Vicente, aldeia típica serrana, novo pequeno-almoço, reunião de grupo e fica decidido seguir até ao destino por estrada. Questionamos os habitantes, qual o melhor caminho, troca-se de GPS e “toca-a-andar” que só temos uma subida até ao fim.
Assim acontece, uma única subida a caminho de Alfandega da Fé, seis quilómetros ininterruptos que demorei uma hora e dez e, aí sim, apelei as todas as forças existentes e inexistentes, duas saquetas milagrosas, água e mais agua e enfim, cheguei. No cimo, o Miguel aproveitava a pia duma fonte para fazer um banho de imersão, o Lucas deitado num banco de jardim apanhava banhos de sol, enquanto eu, prestes a rebentar, arfava maldizendo a minha vida e a maldita subida.
Refresquei a máquina, repôs o stock de líquidos e avancei, ficando combinado esperar por eles na Vila. Assim foi…
Bip Bip, chega-nos o sms de que o outro grupo já havia chegado ao destino, junto à ramona.
Voltámos ao sentido descendente, agora de esquecer, interminável era a descida, bem ao jeito das minhas 5 avantajadas arrobas, (incluindo alforges, claro!) mas que fui abusando dos travões para não perder o Lucas de vista, o Peninha do Grupo.
Nova troca de informação e o ponto de encontro seria a aldeia Cabanas de Baixo. Última subida que volto a fazer a pé. Ao longe reconheço já o toldo do nosso transporte, uns berros ecoam no ar anunciando a chegada do Miguel e do Lucas e eu, olho para a burra:
- …por agora chega, obrigado!
O local de encontro é uma bela Tasca, prato principal e único, peixe do rio, frito.
- Muito bom! Magnifico! Epá, e com molho! E com pinga! Delírio total! Até o Lucas alinhou…
Primeiro em silencio e depois em algazarra total! Rostos cansados, desgastos, queimados do sol, mas sorridentes!
Faltava mesmo era chegar a casa, o que aconteceria pouco depois. Casa!
O grupo, nas suas diferenças é bestial, foi consensual o elevado grau de dificuldade da actividade e que implica melhor preparação física mas também logística.
Obrigado Capitão, Kapa Negra, Mágico, Peixe e Tequila.
As últimas palavras teriam de ser para o Lucas, o enorme orgulho que senti em toda a viagem pela sua capacidade, também de sofrimento, nos momentos mais difíceis, que ouve bastantes, na sua integração no grupo, no seu sentido de responsabilidade dentro dos trilhos, e da imensa força dos seus tenros 14 anos. Bem hajas…
Venha a próxima!

Números da actividade:
Inicio - Padornelo, Espanha
Chegada - Foz do Sabor
Grau de dificuldade – 5 (0 a 5)
Kms - 190

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